Há um prédio na Av. Paulista, altura do número 960 com o dom
de transportar adentro.
Deveria ser parada obrigatória dos veículos que passeiam
sobre a capital financeira, brasileira. As
janelas entreabertas, às vezes escancaradas, despertam a imaginação de quem as
admiram, a suposição do que se passa por lá.
Ora se avista uma meia luz, de abajur, de computador, de
televisão; ora luz completa, de chegada, de organização. Uma janela deixa
sedutoramente aparecerem as plantas, verdes, vivas; outras, quadros, objetos
pendurados e poucas cortinas.
O pensamento vagueia, construindo uma ideia de pessoas
sentadas acompanhadas dos bichos de estimação, do livro favorito, da palavra
cruzada, do prato de refeição, de trabalho, relatório, tese de mestrado, de
lazer, de festa, reunião, com um chopp na mão, soltando risadas, fazendo
sorrir. Talvez, com pipoca na mão, assistindo aquele filme bom. Sentado, em pé,
abraçado, abraçando.
Quantas histórias deve haver por trás daquelas janelas? Tudo
parece calmo, feliz, cheio de vida rara. Contas sobre a mesa, chaves jogadas ao
cesto de entrada e um suspiro de alívio, de final de dia, de trabalho cumprido,
de reencontro.
Não parece somente um prédio, mas Hogar Dulce Hogar! De abraços saudosos, sorrisos sinceros e miado
terno.
Do lado de fora, o contraste, luzes dos automóveis, dos
faróis, da música tocando alto, o rapaz dos pés dançantes, flauteando,
“violinando”, arrecadando miúdas moedas. Risadas altas, constantes,
xingamentos, grosseria, bolsas atrapalhando a passagem, sem pedidos de licença,
sem educação, aglutinação e tumulto, alguém caído no chão.
Cabelos verdes, azuis, arrepiados, engraçados, calças pra
lá, calças pra cá, quase compondo um arco-íris.
O farol abre e subitamente se é arrancado, jogado violentamente
para fora, um campo fatídico em que tudo toma o curso habitual. Nada prateado,
cinza mesmo, de casa bagunçada, suja, de cinzas de cigarro no ralo do banheiro,
com toda a louça na pia, roupa suja no cesto há dias, sem pegadas de animal
doméstico, sem planta feliz, com mania alheia. A vida volta assim,
desinteressante, desajustada, estagnada, adaptada.
Fica a saudade de um caminhar para frente, adiante. Fica a
saudade de algo que ainda não aconteceu.
Ficam as perguntas:
Qual é a direção? Onde está o sonho? A inspiração? A pulsão?
A emoção? Onde foi que tudo se perdeu? O que foi perdido? O que ficou para
trás?
A vida cobra movimentação, senão ela vai subtraindo o tempo,
gastando o encantamento.
Não vai adiantar gritar, certamente, ela balança o ombro, não
presta atenção. Quando o farol da vida abrir ninguém conseguirá fugir.